sábado, 10 de abril de 2010

Homilia do Exmo. Revmo. Dom Bernardino Marchió da MISSA DO CRISMA


Quinta feira santa – 01 de abril de 2010
Introdução
Isaias (61, 1-8): “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu...
• Levar a boa nova aos pobres... Curar os de coração aflito... Anunciar aos cativos a libertação... Consolar os tristes...
Antes de preparar esta homilia pedi o Espírito Santo e fiz um exame de consciência... Neste Ano Sacerdotal posso dizer que sou um Bom Pastor? Não é difícil reconhecer que poderia feito mais... Todos nós reconhecemos as nossas fragilidades e estamos aqui para renovar os compromissos sacerdotais neste dia dedicado à Eucaristia e ao Sacerdócio (e conosco está a dimensão missionária da Diocese: Pe. Sandro, Pe. Roberto, Pe. José Adeildo; os padres que estão em Roma para servir a Diocese - o ITEC – que recebeu reconhecimento do MEC, os da Fazenda da Esperança e os nossos irmãos que, por vários motivos deixaram o serviço ministerial, mas continuam sacerdotes). E com Jesus que, ao proclamar as palavras de Isaias, declara “hoje se cumpriu esta passagem” (Lucas 4, 16-21), eu quero pedir ao Espírito Santo que desça sobre esta nossa Assembleia e realize tudo o que a nossa Diocese está precisando.
É neste contexto que estamos vivendo o Ano Sacerdotal: o convite de Bento XVI para olhar ao único e eterno sacerdote, que continuamente chama pessoas a entregar e consagrar a sua vida para a causa da humanidade. Milhões de homens responderam ao chamado de Jesus, a maioria passou pela história da Igreja servindo numa forma muito simples, que só Deus conhece; alguns, infelizmente, não tiveram forças para permanecer fiéis até o fim (não cabe a nós julgar); outros se tornaram modelos pelo estilo mais radical de viver o seu sacerdócio:
São João Maria Vianney, Pe. Ibiapina, Dom Hélder Câmara... Quero lembrar um caro irmão que faleceu nestes dias: o Pe. Luis Cecchin, missionário italiano que na cidade de Limoeiro (Diocese de Nazaré) salvou da rua milhares de crianças e adolescentes... Amado e venerado pelo Clero e pelo povo, apesar de ter falecido na Itália, vai ser sepultado no meio dos jovens e adolescentes que serviu por mais de 40 anos. Estes padres e tantos outros se destacaram não pela posição social ou pelo amor ao poder: foram verdadeiros servidores que ofereceram como Jesus, as suas vidas pelos outros.
O Ano Sacerdotal quer exatamente deixar para nós a lição do Evangelho: não somos padres para dominar, para impor, para ser reverenciados... mas para servir, anunciar a Palavra que salva, para celebrar a vida de Deus semeada nas nossas comunidades. Devemos reconhecer que, sobretudo nestas últimas semanas, ficamos chocados com o comportamento de alguns sacerdotes que não foram fiéis ao seu compromisso. Sabemos, também, que há uma tendência da mídia para denunciar de maneira exagerada os pecados das pessoas ligadas à
Igreja: os holofotes da imprensa foram lançados sobre todos os males e fraquezas da Igreja, como se toda a Igreja estivesse mergulhada em crise profunda. Toda pessoa bem intencionada sabe que não é assim. No entanto a Igreja não nega, mas lamenta imensamente os males causados a outros e a ela própria por membros dela. A Igreja não ensina a cometer crimes, não os aprova e não os acoberta e deixa claro que cada um deve responder pelos seus atos perante Deus e a lei dos homens também. Talvez seja este o tempo da purificação: assim me dizia um bispo amigo, cuja diocese ficou envolvida em escândalos provocados por alguns padres; o Papa que parece mais exposto às críticas do mundo inteiro já respondeu com firmeza e com muita serenidade que o caminho é a conversão e a transparência.
Antes de os sacerdotes, hoje, renovarem os compromissos do dia da Ordenação quero propor duas reflexões.
1. A grandeza do sacerdócio
2. As fraquezas que nos expõem à condenação da sociedade Grandeza “Que as pessoas nos considerem como ministros de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor. 4,1)
- Ministro significa antes de tudo “servidor”
- Administradores dos mistérios de Deus
A palavra mistério tem dois significados fundamentais:
I. As verdades ocultas e reveladas por Deus, os divinos propósitos anunciados veladamente no AT e revelados aos homens na plenitude dos tempos.
II. Os sinais concretos da graça, os sacramentos. A Carta aos Hebreus acentua o real significado ritual e sacramental dizendo que a tarefa do sacerdote é oferecer dons e sacrifícios pelos pecados.O que é o sacerdote: é testemunha da verdade de Deus e é ministro da graça de Cristo, como anunciador e como santificador. E para isso Jesus infunde nos Apóstolos, no dia de Pentecostes, a Lei Nova, a Lei do Espírito. Os preceitos evangélicos são certamente mais elevados e perfeitos que aqueles da lei mosaica; todavia, por si sós, também estes permaneceriam ineficazes. Se bastasse ter proclamado a nova vontade de Deus através do Evangelho, não seria possível explicar a necessidade de Jesus morrer e enviar o Espírito Santo. Os Apóstolos são prova disso. Estes haviam escutado da viva voz de Jesus todos os preceitos evangélicos, por exemplo, que “aquele que quiser o primeiro deve fazer de si o último de todos os servos”, mas até o final osvemos preocupados em estabelecer quem seria o maior dentre eles. Somente após a vinda do Espírito Santo é que podemos vê-los completamente esquecidos de si e comprometidos unicamente em proclamar as grandes obras de Deus. Como age, concretamente esta lei nova que é o Espírito? Por atração! O amor é a ”lei do espírito” que cria no cristão um dinamismo que o leva a realizar tudo o que Deus deseja, espontaneamente! Qual a missão dos sacerdotes, enquanto administradores dos mistérios de Deus e mestres da fé? Ajudar os irmãos a viverem a novidade da graça, a novidade de Cristo: nós pregamos a Cristo Crucificado e Ressuscitado! O cristianismo não é uma doutrina, é uma pessoa! Como o sacrifício da Missa não pode ser concebido a não ser em dependência com o sacrifício da Cruz, da mesma forma o sacerdócio cristão só pode ser explicado como participação sacramental no sacerdócio de Cristo. Enquanto qualquer outro sacerdote do AT oferece algo externo a si, Cristo oferece a si mesmo: Cristo é a vitima! A conseqüência de tudo isso é clara: para ser sacerdote segundo a ordem de Jesus Cristo, o presbítero deve, como ele, oferecer a si mesmo. Sobre o altar, portanto, ele não representa tão somente o Jesus “sumo sacerdote”, mas também o Jesus “suma vítima”, sendo assim as duas coisas inseparáveis. Em outras palavras, o sacerdote não se pode contentar em oferecer Cristo ao Pai nos sinais sacramentais do pão e do vinho; deve também oferecer a si mesmo com Cristo ao Pai. Para entender as conseqüências práticas que derivam de tudo isso para o sacerdote, é necessário ter em mente o significado da palavra “corpo” e da palavra “sangue”. Na linguagem bíblica, a palavra corpo indica a pessoa em sua totalidade, enquanto essa vive em uma dimensão corpórea. Por sua vez “sangue” não significa uma parte do homem. O sangue é a fonte de vida, de modo que a efusão do sangue é um símbolo da morte.
Com a palavra corpo, Jesus nos doou sua vida; com a palavra sangue, nos doou sua morte. Aplicado a nós, oferecer o corpo significa oferecer o tempo, os recursos físicos, mentais, um sorriso, típico de um espírito que vive em um corpo; oferecer o sangue é oferecer a morte. Não apenas o momento final da vida, mas tudo aquilo que desde já antecipa a morte: as mortificações, as doenças, a passividade, tudo que é negativo na vida. Tentemos imaginar a vida sacerdotal com esta consciência. Todo o dia, não apenas o momento da celebração é uma
eucaristia: ensinar, governar, confessar, visitar os doentes, bem como o repouso e o lazer, tudo!
O Ano Sacerdotal não representa uma oportunidade e uma graça somente para os padres, mas também para o povo de Deus. Os documentos da Igreja afirmam claramente que o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio universal de todos os batizados a fim de que estes “possam oferecer-se a si mesmos como hóstia viva, santa e aceitável por Deus”. Onde encontrar a força, sacerdotes e leigos, para fazer essa oferenda total de si mesmo a Deus, para erguer-se da terra com as próprias mãos? A resposta é: o Espírito Santo! “Que Ele (o Espírito Santo – Oração Eucarística III – Epíclese) faça de nós um sacrifício perene e agradável a vós, para que possamos entrar no reino prometido com os eleitos: com a Virgem Maria, Mãe de Deus, com os santos e apóstolos, os gloriosos mártires e com todos os vossos santos intercessores junto a vós”.
As fraquezas
Falamos da grandeza do sacerdócio. É bom agora fazer um exame de consciência e descobrir onde devemos melhorar, para que o Ano Sacerdotal se torne um ano de graça. Vamos acolher, portanto, o convite à conversão para que a nossa Igreja se purifique. Apocalipse (1, 5-8); fez de nós um reino de sacerdotes! Logo após São João escreve 07 cartas: é o Ressuscitado que fala aos Pastores das 07 igrejas do Apocalipse. Quero olhar para algumas destas cartas, buscando colher nelas os elementos de uma autêntica conversão do Clero, diáconos, sacerdotes e bispo.
Comecemos com a primeira carta, aquela endereçada à Igreja de Éfeso. O Ressuscitado diz: “Conheço a tua conduta, o teu esforço e a tua constância; és perseverante. Sofreste por causa do meu nome e não desanimaste”. Depois vem o apelo à conversão: ”Mas tenho contra ti que
abandonaste o teu primeiro amor. Lembra-te de onde caíste! Converte-te e volta a tua prática inicial” (Ap. 2,2) É um apelo para retornar ao primitivo fervor e amor por Cristo.
Quem de nós não recorda com emoção a alegria do chamado ou dos primeiros anos de sacerdócio? É verdade que é importante o fator da idade, da juventude. Mas, neste caso, não se trata da natureza: o que foi graça no passado pode ser graça ainda hoje! Escrevia São Paulo a Timóteo: “Quero exortar-te a reavivar o carisma que Deus te concedeu pela imposição das minhas mãos” (2 Tim. 1,6). É preciso reacender as chamas... é um convite a um reencontro do amor e do fervor de um tempo!
Outro componente da conversão sacerdotal pode-se encontrar na carta à igreja de Esmirna. “Conheço sua tribulação, sua pobreza...” mas segue imediatamente o apelo: “sê fiel até à morte e eu te darei a coroa da vida”. Fidelidade! O Santo Padre usou esta palavra como título e
programa do ano sacerdotal: “Fidelidade de Cristo, fidelidade do Sacerdote”. A palavra fidelidade tem dois significados fundamentais. O primeiro é de constância e perseverança; o segundo é o de lealdade, retidão, o oposto de infidelidade, perfídia e traição. A esta fidelidade se opõe a traição da confiança depositada por Cristo e pela Igreja, a vida dupla, o pouco caso com os deveres da sua condição, o desejo de independência da Igreja para pregar, não o Evangelho de Cristo, mas as próprias ideias, e ainda a superficialidade com que se vive o celibato. Sabemos por dolorosa experiência quanto dano pode ser provocado à Igreja e às pessoas com este tipo de infidelidade. E talvez seja a mais dura provação enfrentada pela Igreja neste momento. A carta que nos deve fazer refletir, mais do que todas as outras, é aquela ao anjo da Igreja de Laodiceia. Conhecemos seu tom severo: “Conheço a tua conduta. Não és frio, nem quente. Oxalá fosses frio ou quente... Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca... Esforça-te, pois, e converte-te” (Ap. 3, 15). A falta de zelo e a inércia apostólica: creio sejam estes os principais fatores que mais enfraquecem a Igreja, ainda mais que os escândalos ocasionais de alguns sacerdotes, que chamam mais atenção e são mais fáceis de reparar. “A grande desventura para nós párocos,
dizia o Santo Cura d´Ars, é quando a alma se entorpece” (se acomoda!). É quando se procura o conforto, se entrega à mentalidade dominante e a preocupação não são mais as pessoas a serem evangelizadas, mas sim o próprio comodismo. Há lugares onde a Igreja permanece viva e evangeliza quase que unicamente pelo empenho de alguns fiéis leigos e organizações leigas, que por sua vez são vistos com desconfiança. “Sede pastores do rebanho de Deus, confiado a vós... não como dominadores, mas antes como modelos do rebanho”. Também não é amor ao
rebanho comportar-se como donos da fé, quando se consideram, por exemplo, todos os espaços da Paróquia como sua propriedade... As palavras dirigidas pelo Ressuscitado à Igreja de Laodiceia: “Tu dizes: sou rico e abastado e não careço de nada, em vez de reconhecer que és infeliz, miserável, pobre, cego e nu” fazem pensar em outra tentação para o Clero quando a paixão pelo povo é colocada em segundo plano: e em primeiro lugar está a cobiça do dinheiro! São Paulo já lamentava: todos buscam o próprio interesse, não aquele de Cristo. Na carta de promulgação do Ano Sacerdotal, o Santo Padre apresenta o Santo Cura d´Ars como modelo de pobreza sacerdotal: “ele era rico para doar aos outros e muito pobre para si mesmo”. Seu segredo era: “dar tudo e não reter nada”. Mas também a severa carta à Igreja de Laodiceia é, como as outras, uma carta de amor. Esta termina com uma das imagens mais tocantes da Bíblia: “Eu repreendo e educo os que amo... Eis que estou à porta e bato”. Em nós sacerdotes, Cristo não bate para entrar, e sim para sair. Quando se trata da primeira conversão, da incredulidade para a fé, ou da condição de pecado para a graça, Cristo está fora e bate às portas do coração para entrar; quando se trata de sucessivas conversões, de um estado de graça em direção a outro mais elevado, do comodismo para o ardor missionário, ocorre o contrário: o Cristo estádentro e bate às portas do coração para sair! Às vezes o nosso coração de pedra não permite que o Cristo se possa expandir e permanece como um prisioneiro... Nós sacerdotes temos o poder de manter Cristo em liberdade “vigiada”.
Santa Teresa d´Ávila contando a sua experiência de vida pode nos ajudar a entender os passos que devemos dar: “De passatempo a passatempo, de vaidade a vaidade, de ocasião a ocasião comecei a colocar minha alma novamente em perigo... As coisas de Deus me davam prazer, mas não sabia me desvincular daquelas do mundo. Queria conciliar estes dois inimigos tão contraditórios entre si: a vida do espírito com os sabores e passatempos dos sentidos. O resultado desta condição era uma profunda infelicidade: caía e me reerguia, e mal me reerguia voltava a cair. Era tão baixa em termos de perfeição que quase não me dava conta dos pecados veniais, e não temia os mortais como deveria, porque não evitava os perigos. Posso dizer que a minha vida era das mais penosas que se poderia imaginar, porque não gozava de Deus, nem me sentia satisfeita com o mundo. Quando me dedicava aos passatempos mundanos, o pensamento acerca daquilo que devia a Deus me fazia transcorrer com pesar; e quando estava com Deus, os afetos do mundo me perturbavam”. Muitos sacerdotes poderiam descobrir nesta análise a razão profunda de sua insatisfação e descontentamento. Foi a contemplação do Cristo da Paixão que deu a Teresa o impulso decisivo que fez dela a santa é mística que conhecemos.
Conclusão
O que precisamos neste momento é um impulso de esperança, uma injeção de confiança. “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de fardos e eu vos darei descanso”. O fruto mais belo deste Ano Sacerdotal será um retorno a Cristo, uma renovação da nossa amizade com Ele.
Por isso vamos tomar as palavras do profeta Jeremias e proclamar: Obrigado Senhor por um dia nos ter seduzido, obrigado por nos dar a possibilidade de retornarmos a ti e por nos recuperar após cada tentativa de fuga.
Obrigado por fazer de nós a tua boca e administradores dos teus mistérios.
Obrigado por nosso sacerdócio!